quinta-feira, 14 de março de 2013

Not Meant To Be - Não era Para Ser



- Sua namorada está te traindo.

Essas foram as palavras de Bruno para Andrew naquela tarde em que marcaram de se encontrar na escadaria do colégio após as aulas do período matutino. O local estava deserto, os estudantes da manhã já haviam se dissipado e naquele dia não haveria aulas durante o período da tarde. Ouvia-se o raspar de folhas secas arrastadas pelo vento naquela tarde amarela. No primeiro instante pairou um sentimento de incredulidade de Andrew sobre as palavras do amigo, seguido por um silencio mútuo e incômodo que perdurou por alguns instantes.

- Impossível, pensou Andrew sentado ao lado de seu amigo ainda com o uniforme escolar que mesclava uma calça cinza e camiseta branca, fones simples pendurados ao pescoço que tocavam o trecho de um grupo não muito popular no Brasil, onde dizia: It's like one step forward and two steps back.
Desde que havia conhecido Patrícia, sua garota, a garota de sonhos, ou talvez não mais, estavam completamente conectados e em sintonia o suficiente para não precisarem procurar carinho em outras pessoas, ao menos Andrew não precisava, e até então acreditava que Patrícia estava satisfeita com todo mimos e amor que ele proporcionava a ela. De qualquer forma, Andrew acabava de ser jogado inesperadamente em um turbilhão de sentimentos. É mentira, só pode ser. Ele gostava muito dela para que aquilo fosse simplesmente toda a verdade. Deveria haver algum engano naquilo que o amigo lhe revelava, sempre havia um engano nessas situações e isso, hora ou outra, acabava acontecendo com todos os casais, mesmo com dúvidas estava decidido a acreditar que deveria haver uma explicação para o que quer que tenha acontecido. Ele está mentindo.

Em todo o caso, Bruno sempre foi seu melhor amigo, ele é praticamente meu irmão, por qual motivo criaria uma mentira dessas para me magoar. Se Bruno criaria ou não toda essa história de traição, uma coisa era certa: aquilo estava acontecendo, e seu subconsciente já buscava saída como um louco em camisa de força para aquele auê em que o amigo tinha acabado de lhe meter. Aquele pensamento rebatia freneticamente dentro de seu crânio quase que fazendo as terminações nervosas em seu cérebro entrarem em curto. Ele respirou, com a maior calma que conseguiu, se é que isso era possível, disse ao garoto, também com o mesmo uniforme, sentado ao seu lado:

-Patrícia sempre conversou comigo sobre tudo e qualquer situação sobre sentimentos dela, Bruno, não vejo lógica nisso, cara. Por que ela iria me trair assim, sem mais nem menos?

-Seguinte, Andrew. - Ele fez uma breve pausa. - Sou seu amigo desde que me conheço por gente e posso te garantir que revelar isso para você é uma das piores coisas que poderia fazer na vida. Eu nunca te chamaria com urgência aqui hoje para fazer piada ou mentir a respeito de assunto tão sério, mano. Não estou gostando nada de ter que abrir seus olhos para o que está acontecendo, mas como seu amigo...
Andrew engoliu em seco. Ela teria me contado. Eu iria perceber. Sentiu seu mundo começar a ruir... novamente.

... É meu dever te falar a verdade. Terminou Bruno.

O suor brotava de seus poros e escorria por sua fronte, enquanto suas costas já estavam por inteira ensopada. Sentia o coração bater em sua garganta, mas não sabia se era desespero, tristeza ou ódio... ódio, talvez. Por quê? - se perguntava, sentado, inconformado com a cabeça apoiada na ponta dos dedos. Era uma visão miserável. E a face de Bruno revelava que aquela era uma situação difícil para ambos, pois saber que havia acabado de sacrificar a felicidade do seu melhor amigo era algo difícil de tirar da consciência, ainda mais um amigo que esteve sempre ao seu lado, principalmente nos momentos mais complicados de sua vida, um verdadeiro amigo, assim era Andrew para Bruno. O que Bruno não sabia é que, a partir daquele momento, as coisas se tornariam muito diferentes, uma tempestade se aproximava e as folhas raspavam ainda mais pelo chão áspero da escadaria de concreto da escola onde eles estavam sentados. Não havia ninguém, além dos dois rapazes e as taciturnas arvores de caules agitados que castigavam a escadaria com suas folhagens, no local. Vez ou outra ouvia-se automóveis cruzando a rua do lado de fora dos portões do colégio deserto.

Imagens inundavam a mente de Andrew, já não tinha mais o controle de seus pensamentos e enquanto fechava os olhos com força para tentar controlar as lágrimas que vinham sem serem chamadas, o aperto na garganta era cada vez mais difícil de suportar.

Bruno pousou a mão esquerda sobre as costas do amigo e se manteve em silêncio até ele voltar a ter condições de continuar a conversa.

- Como foi que você ficou sabendo disso? Perguntou ainda com a cabeça baixa.

- Foi Yasmin quem viu. Após pensar bem ela me contou e eu achei que você deveria saber. Pedi para ela manter isso em segredo e evitar comentar sobre isso com o resto do pessoal. Respondeu Bruno com receio de magoar ainda mais o amigo.

- Yasmin? - Cuspiu as palavras ironicamente e com uma parcela de irritação. – Você sabe muito bem que ela me odeia. Ela muito bem poderia armar tudo isso e fazer sua cabeça para vir me dizer isso. Agora mesmo ela deve estar se rachando na masmorra que ela chama de quarto.

- Andrew, você conhece muito bem a Yasmin, ela pode ter todo aquele jeitão esquisito dela, mas eu e você sabemos muito bem que independente se ela gosta de você ou não, ela não suportaria ficar calada sabendo que uma pessoa de seu círculo de amizade esta sendo enganada. Você sabe disso, não tente se iludir, ela quebrou a cara de muitos idiotas por menos que isso.

O nó na garganta se apertava ainda mais dificultando a respiração, é verdade, ele sabia que era. Pensou em Patrícia novamente. Três anos, ele repetia em pensamento. Ela sempre foi linda, nunca se esqueceu do momento em que trocaram os primeiros olhares. Ele com sua câmera semi-profissional, tirando fotos de tudo que é canto no primeiro dia do terceiro evento de animação japonesa realizado em uma das maiores faculdades da cidade, até que a lente de sua maquina focalizou a beleza da garota enquanto posava para uma dúzia de fotos.

Aquele foi o momento em que o tempo congelou completamente, a visão foi o bastante para que não conseguisse pensar em mais nada. Ela lhe enfeitiçou de tal forma que não soube como ou por que aquilo havia acontecido!

Aqueles olhos verdes atraiam os flashes e sem que ele percebesse já estava clicando mais de uma dezena de fotos da garota que realizava o cosplay de Sakura Card Captor tão perfeitamente quanto ele podia julgar. O bacro mágico rodopiava e dançava entre seus dedos calçados por um par de luvas cor de rosa enquanto ela imitava os mesmos movimentos da personagem do seriado animado japonês baseado no mangá criado por um grupo de desenhistas que se intitula como “CLAMP” que segundo as integrantes significa “uma pilha de batatas”. Quando ela girou e terminou o movimento mirando aqueles olhos nele, com seu vestido rosado que se agitava como um sino badalando, o rapaz pode sentir o impacto em seu peito, foi uma batida mais forte, foi como receber um tiro, mas de dentro para fora, uma batida de coração diferente de todas as outras que ele já havia sentido em toda sua vida, aquilo era um sinal. Sinal de que? Pensou. O nerd branquelo, raquítico, espinhento e corcunda da escola enfim encontrou uma garota pela qual valia a pena morrer? Sim, por ela teria esse prazer, ele e toda a horda de otakus que estavam naquele dia de evento. Era bela, com aquelas safiras no olhar que mais parecia um profundo mar esverdeado perfeitamente emoldurado por mechas de cabelos castanho claros, quase dourado, sem comentar a maneira que ela colocava a franja atrás de uma das orelhas ao posar para uma nova foto, aquilo o enlouqueceu, alias, faria qualquer rapaz da horda de suicidas de plantão, já citada, criar um fã clube para aquele anjo que se materializara em frente aos olhos dele.

Andrew por toda sua vida carregou escondido em algum lugar de seu subconsciente o modelo de parceira ideal, e quase não podia crer que aquele arquétipo exato estava em sua frente tão próxima a ele. Aproximou-se dois passos, completamente hipnotizado e pode sentir seu perfume, A garota ainda continuava a esbanjar atenção e variar as posições da personagem que imitava aos fotógrafos que por ali passavam e se aglomeravam ainda mais querendo levar para casa ao menos uma fotografia daquela musa, mesmo sendo na resolução mais chula de um celular Xing-ling.

Ao fundo ouvia-se a voz da oriental, Lena Park cantando a clássica música, “You raise me up” do dueto irlando-noruêgues composto pela violinista Fionnuala Sherry e pelo pianista Rolf Lovland. A canção fora regravada quase que cento e cinqüenta vezes, aquela era em japonês e faz parte da trilha de uma animação chamada “Romeu X Juliet”. Parecia que tudo seguia o script de um filme romântico que garotas se derretem ao assistir uma cena igual aquela.

Kogoeru arashi no yoru mo, Mada minu kimi he tsuzuku. Cantava em um êxtase de emoções a garota nas caixas de som de um stand logo detrás dele. Era algo como: “Agora, até mesmo nas tempestades ferozes da noite, Até mesmo quando não vejo você, eu caminho em sua direção.”

O perfume, Aquela fragrância ocasionou uma leve tontura nele causada pelo aceleramento das batidas do coração, fortes batidas que faziam até mesmo sacudir sua camiseta branca estampada com a figura do personagem Sneak da série Metal Gear Solid com uma frase abaixo: Sneak gonna eat you. Definitivamente uma frase que garotas entendidas não achariam graça no duplo sentido da coisa. A dopamina, norepinefrina e feniletilamina já tinham sido injetadas pelo cérebro no organismo do rapaz, o rubor na pele, a umidade nas mãos se tornavam intensos e aquela bela visão, o cheiro pareciam causar uma explosão de sentimentos em seu ser. Elevação, energia intensa, falta de sono, paixão, perda de apetite e foco único. Foco único ele repetia batendo as fotos.

AAAI! – Gritou a garota tentando resgatar o próprio pé. Quando Andrew voltou a realidade, pode ouvir uma gritaria de pessoas enfurecidas. Sai da frente, mongão... Vá pra lá Mané... Idiota... Aew cabaço. Percebeu estar esmagando o delicado pezinho da sakura. Sentiu a temperatura de seu corpo despencar como se tivesse saltado de Bungee jumping, sem corda, em direção aos confins do pólo sul. Queria pedir mil perdões, mas seu cérebro o traiu e a única coisa que cuspiu de seu lábios, foi. – Foco único. Ainda com uma cara de palhaço sem graça quando ela voltou o olhar para ele. O sapatinho rosa fora cravado por marcas pretas do tênis sujo e batido do garoto desajeitado. Em um desespero intenso o braço do fotógrafo serpenteou pelo ar e mergulhou furiosamente em sua bolsa em busca de um pano. Disparou a mão para limpar o sapatinho da cosplayer que abaixou para retirar a sujeira deixada pelo pisão com a própria mão. Uuuuuuuh! Ouviram em coro a multidão que os cercavam após escutarem o baque abafado do choque das cabeças do casal. Os dois se olharam com careta de dor esfregando rapidamente o local da batida, se entreolharam e... riram. Eles riram um riso gostoso, e a multidão gargalhou alto junto a eles. Os dois riram por três anos, três maravilhosos anos eles riram e agora ele chorava, e o mundo ao seu redor ruía, e as pessoas iam gargalhar enquanto ele chorava e ela... ria.

A vadia ria.

2 comentários:

  1. Gostei, no inicio lí em busca de um sentido para aquele inicio... Continuei lendo em busca de saber o que aconteceria... Me vi dentro da situação na qual se conheceram, ri ao recordar! Ficou um gosto de "quero mais" , ler o desenrolar da história.

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  2. Parabéns cara, eu fui lendo, e quando cheguei no fim, primeira coisa que pensei foi "nao!", haha, porque queria saber o que aconteceria a seguir. Isso é o melhor sinal de um texto, envolver o leitor. Parabéns mais uma vez!

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